O agro é ogro?
Ele não é composto
apenas por ruralistas toscos, como muitos acreditam. A
devastação tem, também, a cara “limpinha” da Faria Lima. A
grilagem de terras públicas combina-se cada vez mais com fundos
globais, aplicações financeiras e… discurso de sustentabilidade.
Agro é fogo.
Sem Água,
Sem Ar,
Sem Terra.
É o último elemento.
Agro é fogo. Essa é a palavra de ordem que circula nas redes
sociais nesse último mês quando vários estados do país foram
tomados pela fumaça das queimadas na Amazônia, no Pantanal, no
Cerrado, nas plantações de cana no estado de São Paulo e em
outros lugares, até mesmo nas florestas urbanas.
Todavia, a palavra de ordem circula sem a devida explicação do
porquê o aumento das queimadas está ligado ao agronegócio, e
essa vagueza da explicação torna o movimento de resistência
presa fácil de mídia hegemônica que não cansa de repetir os
supostos prejuízos bilionários que as queimadas teriam causado
ao agronegócio, almejando dissimular a responsabilidade da
burguesia agrária, como faz por exemplo a Folha de São Paulo.
Exporemos então, em contraposição a esse senso comum liberal,
explicações sobre a correlação agronegócio e queimadas.
Na Amazônia e no Pantanal, as queimadas estão relacionadas à
expansão da fronteira agrícola. Se o governo Bolsonaro foi
marcado pelo aumento do desmatamento na região ante o
afrouxamento da fiscalização, no governo Lula o monitoramento do
desmatamento tornou-se mais intenso, fazendo os grileiros
recorrerem a uma tática de dissimulação: o fogo. Se o
desmatamento comum com arrancamento das árvores por correntões
puxados por tratores torna evidente a ação humana, o ato de
atear fogo dissimula a destruição – poder-se-ia, pela nova
tática, atribuir o fogo a um ato fortuito ou a ação de um
sujeito oculto. Fato é que está constatado que a maioria das
áreas queimadas se tornam pasto1, não mais podendo retornar ao
estado de floresta. Ou seja, ateiam-se fogo para expandir o
agronegócio.
Nos outros lugares, as queimadas aparentam-se ser um ato
político, coordenado como sugere a polícia federal. Mas faltou a
mídia corporativa assinalar um ponto importante. Nos canaviais
do estado de São Paulo, por exemplo, é comum atear fogo ao
canavial para que as colhedoras, após o incêndio, colham a cana.
Todavia num cenário de maior temperatura média ocasionada pelo
aquecimento global e com ventos mais fortes, é comum o fogo se
espalhar e atingir novas áreas.
Nesse cenário poderia o governo estadual e/ou o governo federal,
haja vista que a tutela do meio ambiente é difusa, decretar a
proibição do uso do fogo em qualquer ocasião, enquanto não
retornarem as chuvas. Mas isso não foi feito. Como outros atos
poderiam ser feitos para conter a externalidades causadas pelo
agronegócio, como a tributação extraordinária (aumento de
alíquotas, criação de contribuição extraordinária ou empréstimo
compulsório por calamidade pública). Ou até mesmo a
flexibilização do arcabouço fiscal com decreto de emergência
seguida da criação de créditos extraordinários, como já
autorizado pelo ministro do STF Flávio Dino. Mas não o fez.
Limitou-se a criar a autoridade climática, que é uma medida de
médio prazo e não conterá a crise.
A manutenção dos privilégios do agronegócio e a manutenção do
teto fiscal mesmo ante a calamidade evidente, mostra que o
governo está rendido à financeirização; a mesma que tem
impulsionado o agronegócio e é responsável pela atual crise
climática.
A esquerda brasileira cultiva o imaginário do agro ogro
(palavras da ministra Marina Silva) acreditando que o
agronegócio é constituído apenas por fazendeiros toscos,
truculentos, negacionistas climáticos que não veem problemas em
“tacar fogo em tudo”. Mas essa imagem caricata não representa a
verdade. Cada vez mais, o agro é constituído pelos burgueses
“limpinhos” da Faria Lima, de Wall Street e outros mercados
financeiros globais. E são vários elementos que denotam a
financeirização dos territórios: a) a aquisição de terras em
porções cada vez maiores por fundos globais como a BlackRock; b)
o domínio genético de sementes operados por grandes
conglomerados internacionais como a Monsanto e a Bayer; c) a
aquisição de ações e cotas de grandes empresas extrativistas
como a Vale e a Susano; d) além da evidente transformação de
alimentos em commodities, que nada mais são do que ativos
financeiros globais.
Apesar de estarem por trás da expansão do agronegócio, essas
grandes empresas internacionais (representantes do capitalismo
global) dissimulam um suposto respeito ao meio ambiente (greenwashing),
seja difundindo a ideia de que o avanço tecnológico por si só
conteria a externalidades ambientais, seja criando mecanismo que
supostamente protegeriam as florestas, como o crédito de
carbono, mas que na verdade é somente mais um signo da expansão
do mercado financeiro.
Assim, não podemos combater as cortinas de fumaça que se
espalham pelo Brasil sem abrirmos os olhos para as cortinas de
fumaça operada pelo mercado financeiro global, que dissimula a
exploração e degradação ambiental. Porém abrir os olhos diante
desse cenário de poluição parece cada vez mais difícil.
Pedro Henrique Corrêa Guimarães