Celulares nas escolas: muito
além da Proibição _________________________________________________________________________________
Proposta do MEC para
banir uso de smartphones em ambiente escolar levanta desafios.
Como conduzir o
debate sem estigmatizar a tecnologia?
Por que não podemos
perder oportunidade de resolver o gargalo da educação digital no
país?
A proibição de celulares nas salas de aula deve ser levada para
discussão no Congresso neste mês de outubro pelo Ministério da
Educação, via projeto de lei. A pasta trabalha na finalização do
texto que prevê banir o uso dos dispositivos por estudantes de
escolas públicas e privadas.
O projeto se apoia em recomendações de organizações que têm se
preocupado com o uso excessivo de telas. Em julho, a Unesco
pediu o banimento dos celulares nas escolas em todo o mundo, já
que o uso desenfreado dos aparelhos tem prejudicado a
aprendizagem dos estudantes. O órgão pediu que países
considerem, cuidadosamente, o uso dos smartphones nas escolas e
reforçou que, no âmbito da tecnologia na educação, deve
prevalecer uma ‘visão centrada no ser humano’.
Embora esteja só agora sendo pautado pelo Executivo, o tema há
anos circula no Congresso. Desde 2015, tramita na Câmara dos
Deputados, um projeto de autoria do deputado Alceu Moreira
(PMDB/RS) que visa proibir o uso dos aparelhos nas salas de aula
não só da educação básica, como do ensino superior, exceto em
atividades pedagógicas. O PL recebeu parecer favorável na
Comissão de Educação, mas a Comissão de Constituição e Justiça
ainda não se manifestou.
O ministro Camilo Santana tem dado indícios de que o MEC também
deve salvaguardar o uso pedagógico dos aparelhos nas escolas.
Ainda está em discussão para quais faixas etárias a proibição
será aplicada, embora Camilo tenha destacado que o impacto
negativo parece ser maior entre os alunos do ensino fundamental.
Ainda assim, outras questões sensíveis devem vir à baila com a
proposta. A adesão é uma delas, tanto pelos estados e
municípios, a quem caberia formular suas leis específicas, como
das próprias escolas. De acordo com a pesquisa TIC Educação
2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 20 estados já
possuem leis similares, mas apenas 12% de suas escolas
declararam adotar a medida de fato. Também será preciso definir
como se dará a fiscalização da medida e se ela atenderá às
necessidades das famílias e dos estudantes.
O educador e cientista político, Daniel Cara, não tem dúvidas de
que o uso excessivo dos celulares prejudica a aprendizagem, mas
vê dificuldades práticas para a implementação. Uma delas, de
ordem estrutural. “Você não pode deixar os celulares guardados
na secretaria da escola, porque isso vai gerar uma enorme
atração patrimonial para assaltos. Vamos imaginar uma escola de
ensino fundamental de 200 alunos, considerada pequena, se cada
aluno tiver um aparelho, estamos falando de, no mínimo, 200 mil
reais de patrimônio, não é tão simples assim”, adverte o
pesquisador.
Prevendo segurança aos ambientes escolares, Cara defende que os
alunos não possam entrar com o celular dentro das unidades, mas
ainda assim vê desafios. “Como fazer esse controle? Vão pedir
para os alunos abrirem as mochilas para provar que não estão com
os aparelhos?”, questiona o educador, que entende que a norma
deve ser negociada sobretudo com os estudantes dos anos finais
do Fundamental II e Ensino Médio. “É uma medida que traz um
impacto grande na identidade dos jovens, então isso vai ter de
ser negociado com conscientização e não coerção”, defendeu.
O banimento de celulares precisa ser acompanhado por políticas
robustas de inclusão digital e regulação do uso da tecnologia
nas salas de aula
A proibição também deve prever casos específicos, como os de
estudantes com deficiência; e pode ainda esbarrar no desejo das
famílias de manterem contato com os filhos ao longo do período
escolar, demanda ainda mais premente diante os casos de ataques
às escolas. “O primeiro pai que entrar com uma ação na Justiça
vai ganhar “,acrescenta o educador. “O Estado não pode
interferir nisso, entende? Juridicamente, a medida é frágil”,
Cara, avalia, no entanto, que seria muito mais produtivo por
parte do Ministério da Educação conduzir um trabalho de longo
prazo para uso dos celulares e tecnologias nas escolas associada
à educação digital, no âmbito da Política Nacional de Educação
Digital instituída no ano passado. De modo geral, a política
prevê a inserção da educação digital nos ambientes escolares em
todos os níveis e modalidades, a partir do estímulo ao
letramento digital e informacional e à aprendizagem de
computação, de programação, de robótica e de outras competências
digitais.
Para a diretora-executiva do Centro de Inovação para a Educação
Brasileira (CIEB), Julia Sant’Anna, não há incoerência entre uma
eventual proibição do uso dos celulares em sala de aula e as
políticas de conexão às escolas já anunciadas pelo MEC.
“Não vejo como um retrocesso”, destacou, diferenciando os
celulares dos dispositivos cedidos pelo Estado para uso escolar,
como computadores e tablets. “Não estamos falando de todo e
qualquer dispositivo de tecnologia, mas de um dispositivo
pessoal de uso individual.”
“Países já desenvolvidos, e com o tema da tecnologia educacional
mais avançado, regulamentam o uso do celular nas escolas”,
acrescentou, destacando a fragilidade estrutural brasileira
neste sentido. “Temos mais de 138 mil escolas públicas no País,
é importante uma norma nacional – que permita algum grau de
flexibilidade, mas que nos dê diretrizes.”
Desde março, um grupo de trabalho do governo – composto por sete
ministérios e 19 representantes da sociedade civil, academia e
entidades – atua na elaboração de um guia para o de telas e
dispositivos digitais por crianças e adolescentes. A expectativa
é a de que o material seja lançado até o final do ano.
‘O uso das tecnologias precisa ganhar dimensão curricular’
A professora Débora Garofalo, especialista em tecnologia e
inovação, concorda que é preciso repensar o uso do celular em
sala de aula, mas defende que a discussão se dê a partir do
currículo escolar.
“Eu sinto falta que essa discussão seja feita a partir da
perspectiva curricular, de maneira transversal, já que temos
inclusive a BNCC da Computação, que diz de habilidades e
competências que precisamos trabalhar com esses estudantes a
partir da tecnologia”, aponta.
Para a educadora, o uso dos dispositivos, sob mediação
pedagógica, deve ser levado em conta sobretudo levando em conta
o cenário de escassez de recursos nas escolas do País.
Foi exatamente a proposta feita por ela em 2019, quando
lecionava na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante
Ary Parreiras, em uma comunidade da zona sul de São Paulo. O
entorno da escola sofria com problemas de descarte irregular de
lixo, e a educadora propôs um projeto de intervenção para que os
estudantes pudessem sensibilizar para o problema local. O
celular, garante, foi essencial como ferramenta pedagógica.
“A escola tinha problemas de infraestrutura e conectividade. O
celular me permitiu, por exemplo, fazer aulas públicas com os
estudantes, para que a gente fosse a campo reconhecer a questão
do lixo, e registrá-la via um mural de fotos. Eles já conviviam
com o problema, mas começaram a olhá-lo de uma outra maneira,
entendendo que eles poderiam ser agentes de transformação
daquela realidade”, relembrou.
O celular foi uma ferramenta pedagógica em um projeto de
robótica liderado pela professora Débora Garofalo, em 2019.
Créditos: Divulgação
Os alunos criaram um plano de ação para recolher peças de sucata
e eletrônicos descartados de forma errada e, dentro do projeto,
os itens foram associados aos princípios da robótica, dando
lugar a protótipos, como máquinas e robôs. Com a iniciativa, a
professora foi uma das 10 finalistas da premiação internacional
Global Teacher Prize.
Débora defende que a discussão sobre os celulares nas escolas
seja feita de forma equilibrada. “A escola é um lugar de
experimentação, então a proibição chega com alguma estranheza.
Também precisamos, por exemplo, avançar com a regulação das
redes sociais e dos jogos, como os de apostas, que têm envolvido
cada vez mais as crianças e adolescentes. Precisamos encontrar
esse equilíbrio”.
Um quarto dos países do mundo já adota a proibição
O relatório global da Unesco aponta que um em cada quatro países
do mundo já adotou leis que proíbem o uso dos celulares nas
escolas. A França é a pioneira, com uma medida restritiva
adotada desde 2018, pela qual os estudantes não podem usar os
aparelhos celulares em nenhum momento nas escolas, nem durante
os intervalos. É prevista exceção para casos de alunos com
deficiência, que demandam o suporte da tecnologia.
Também anunciaram a proibição países como Espanha, Finlândia,
Holanda, Suíça, México e Grécia, onde a medida começou a valer
no início deste semestre letivo. Por lá, os alunos podem levar
os celulares para as escolas, mas devem mantê-los guardados nas
mochilas ao longo de todo o período escolar. A mesma medida é
adotada na Dinamarca.
Como funciona no Rio de Janeiro?
Em fevereiro deste ano, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo
Paes (PSD), proibiu, via decreto, o uso dos celulares nas
escolas municipais. CartaCapital consultou a secretaria
municipal de Educação para entender como a regra funciona na
prática.
A pasta informou que a proibição vale para todos os espaços
escolares, como salas de aula, pátios, quadras, refeitórios e
corredores. Os alunos só são autorizados a usar os aparelhos em
atividades solicitadas e dirigidas pelos professores.
São previstas algumas outras situações de exceção: antes do
início da primeira aula do dia ou após o fim da última aula do
dia, desde que fora das salas de aula; para os alunos com
deficiência ou com condições de saúde que necessitam destes
dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade;
durante os intervalos para os alunos da Educação de Jovens e
Adultos; durante os intervalos quando a cidade estiver sob
alertas para temporais ou alagamentos, a partir do Estágio
Operacional 3, comunicado pelo Centro de Operações Rio; quando
houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar
em casos que ensejem o fechamento ou interrupção temporária das
atividades da unidade escolar, de acordo com o protocolo do
programa Acesso Mais Seguro – AMS; ou quando houver autorização
expressa da equipe gestora da unidade escolar por motivos de
força maior.
Ainda de acordo com a gestão municipal, os alunos podem entregar
os aparelhos antes do início das aulas para o funcionário da
unidade escolar designado para recolher os celulares, ou
deixá-los na diretoria ou secretaria. Em caso de descumprimento
da regra, os professores podem advertir o aluno e/ou cercear o
uso dos dispositivos eletrônicos em sala de aula, bem como
acionar a equipe gestora da unidade escolar.
Ana Luiza Basilio